Fundamentos teóricos                                                                               

fundamentos teóricos

Construindo um atlas

O processo de construção de um atlas é, por essência, um trabalho multifacetado. Envolve uma estrutura de projeto não-linear, que se retroalimenta de transformações ao longo da sua elaboração e que não se finda, especialmente nas propostas de obras contínuas. Os pressupostos teóricos seguidos não se mantêm inertes ao longo do projeto, dessa forma, um atlas que pretende ser o reflexo de uma sociedade em constante transformação, assume a condição de horizontalidade e as interações entre arcabouço teórico-metodológico, informações, realidade e representação cartográfica.

Visando suprir a necessidade de aprofundamento em elementos balizadores e partindo de revisão de literatura, foram estabelecidos quatro pilares de sustentação teórica, sendo eles: na Geografia; na Cartografia; em Sistemas de Informações Geográficas (SIG e WebGIS) e na constituição de projeto de atlas, esquematizados convenientemente em formato de espiral na figura a seguir: 

Fonte: Cândido e Pereira, 2022.

Geografia

Na Geografia, o atlas é alicerçado no horizonte de pesquisa lógico-formal, habitualmente relacionado aos paradigmas da Geografia Quantitativa, utilizando do método hipotético-dedutivo com objetivo na análise espacial. Considerando as associações com a Matemática, a Estatística, a Teoria Sistêmica e ao desenvolvimento de modelos, fundamenta-se na Matriz Geográfica, proposta por Berry (1964)¹, como elemento estruturador da abordagem.

Cabe, no entanto, reconhecer a pertinência de algumas das críticas realizadas nas últimas décadas à Geografia Quantitativa e consideradas no emprego desta corrente. Admite-se, portanto, o caráter de parcialidade da equipe de pesquisadores, a historicidade dos fatos, a limitação dos modelos matemáticos, o abando da ótica funcionalista da pesquisa e a urgência de aproximação do diálogo direto com a sociedade e com problemas de relevância social.

Cartografia

Na Cartografia, assenta-se sob o paradigma cognitivo apresentado por Salichtchev (1978; 1983)², associando na proposta de Koláčný (1969)³ as contribuições da Teoria da Informação Matemática e da Semiótica. A disponibilidade de dados, que outrora fosse considerada um entrave na produção de conhecimento, atualmente demanda métodos gráficos eficazes de seleção e representação para lidar com a quantidade exponencial de dados disponíveis. A tradução cartográfica das informações lógico-numéricas, auxiliando na busca por padrões e anomalias, é defendida por Dibiase et al. (1992)⁴ como possibilidade de obtenção de repostas espaciais, compreendendo o cerne do paradigma da Visualização Cartográfica.

Delazari (2004, p. 14) discorre sobre a abordagem de Dibiase et al. (1992) ao inferir que "a ênfase da Visualização Cartográfica está mais em seu poder exploratório do que em aspectos comunicativos, está direcionada para o descobrimento e entendimento dos fenômenos espaciais". Girardi (2014, p. 873) contribui para a compreensão da função cognitiva dos mapas digitais e do ambiente SIG, influenciados pelas propostas da Visualização Cartográfica, ao argumentar que:

Inserir dados, retirá-los, trata-los estatisticamente, modificar variáveis, aplicar álgebra de mapas... enfim, explorar conexões e correlações entre dados gerando, testando, aceitando ou rejeitando hipóteses simultaneamente é o ideal do paradigma da Visualização Cartográfica.

Giradi (2014, p. 873)

SIG e WebGIS

Para Sistemas de Informações Geográficas (SIG) adota-se a definição de Burrough e McDonnell (1998, p.3)⁷ ao delinear a tecnologia como "um poderoso conjunto de ferramentas para coleta, armazenamento, recuperação, transformação, visualização de dados espaciais do mundo real para um conjunto de propósitos específicos". O WebGIS é compreendido como um sistema de software que permite a criação de aplicações SIG na web, e diferencia-se da versão convencional por sua estrutura em nuvem, pela amplitude do acesso e pela interface intuitiva e simplificada.

A elaboração de atlas analíticos, por sua complexidade nas propostas de ferramentas, interação de diferentes bancos de dados e o alto grau de independência do usuário em relação à escolha das informações, estiveram restritos por muito tempo em soluções tecnológicas customizadas que demandavam projetos complexos de programação e de alto custo. No entanto, a possibilidade de elaboração de mapas e atlas analíticos digitais amplia-se com o surgimento de plataformas WebGIS configuráveis. Representam, neste sentido, uma revolução para mapeamento digital on-line, apresentando interface amigável em todo o processo de desenvolvimento de mapas e aplicações web.

Projeto de atlas

No âmbito de concepção de projeto, o "Atlas Nacional do Brasil" em suas três edições (IBGE, 1966; 1992; 2010), atua como principal influência no arcabouço teórico do novo Atlas Digital da RML. Nimer et al. (1988) propõem como objetivo o ordenamento de uma fonte de informações voltada para pesquisadores, planejadores, empresários, professores, estudantes e demais segmentos da sociedade interessados na realidade brasileira. Portanto, defendem:

O Atlas não é uma obra acabada, reflexo de uma determinada teoria, que se esgota em si mesmo. Não deve ser um simples inventário de informações de fenômenos e processos passíveis de tratamento estatístico e de representação cartográfica. Nem tão pouco seus temas devem ser abordados de acordo com o senso comum, ou compromissados com interpretações equivocadas de uma dada teoria.

NIMER, O' NEIL e CORRÊA (1998, p. 147)

Neste sentido, entendem a realidade brasileira como objeto de análise e como fruto do processo de transformação, fundamentalmente social, articulado às relações de produção e reprodução da sociedade a cada momento do tempo, nas quais envolvem o desenvolvimento das forças produtivas e das relações de classe e seus conflitos. Nesta perspectiva, levantam seis dimensões que guiam a elaboração, a linguagem e a leitura dos mapas, sendo elas:

  1. Dimensão presente-passado: entendida como o mecanismo de apreensão da realidade presente como resultante dos eventos passados;
  2. Dimensão forma-processo: em que a forma é a materialização espacial dos processos, resultantes das movimentações de transformação ao longo do tempo;
  3. Dimensão reiteração-diferenciação: interpretada como a repetição ou diferenciação das formas espaciais em tempos e espaços diferentes;
  4. Dimensão continuidade-descontinuidade: compreendida como a manifestação espacial da interrupção ou não dos processos, refletidos na modificação ou manutenção das formas espaciais;
  5. Dimensão qualidade-quantidade: implícita na natureza das variáveis de análise, sendo elas quantitativas ou qualitativas;
  6. Dimensão descrição-interpretação: resultado da apreensão da realidade por descrição e interpretação de padrões espaciais reiterativos ou diferenciadores da organização espacial. Correlaciona-se diretamente com a escala, visto que na representação cartográfica geram-se novos padrões de espacialidade a partir de diferentes escalas, sendo importante estabelecer conexão entre a natureza das variáveis e a escala de representação.

Indicam que os mapas devem se referir simultaneamente a estas seis dimensões, uma vez que o mapa como forma de linguagem, representa uma realidade social em constante transformação. Quanto ao temário de informações, deve ser apresentado em termos simples e usuais, e que, via tratamento temático, sejam singularizados em temas universais.

Em síntese...

Frente às premissas apresentadas, a Geografia Quantitativa, imbuída de sua capacidade de quantificação e análise espacial, conectada às demandas de relevância social, por isso, dialogando diretamente com a sociedade, representa o pilar científico agregador dos demais. A Cartografia Cognitiva e a Visualização Cartográfica, compreendendo o mapa para além de sua função comunicativa e adequando às particularidades contemporâneas da vasta disponibilidade de dados, sustentam a capacidade exploratória na análise espacial e oferecem os fundamentos para a produção de conhecimento a partir da representação cartográfica.

Os Sistemas de Informações Geográficas, como instrumento operacional de organização das informações, e o WebGIS, como recurso que viabiliza o desenvolvimento de atlas analítico e democratiza o acesso à tecnologia, constituem o ferramental produtivo. A concepção de projeto de atlas, por sua vez, é responsável pelo movimento dos pilares científicos, emulsionando os conceitos fundamentais e guiando as atividades executivas. 

Referências

¹ BERRY, B. Aproaches to regional analysis: a synthesis. Annals of the Association of American Geographers, v. 54, n.1, p. 2-11, 1964.

² SALICHTCHEV, K. Cartographic Communication / Its Place in the Theory of Science. Cartographica: The International Journal for Geographic Information and Geovisualization, v. 15, n. 2, p. 93-99, 1978.

² SALICHTCHEV, K. Cartographic Communication: A Theorical Survey. In: D. R. F. Taylor (Org.); Graphic Communication and Design in Contemporary Cartography. 1ª ed, p.11-36, 1983. Otawa.

³ KOLÁČNÝ, A. Cartographic information-a fundamental concept and term in modern cartography. Cartographic Journal, v. 6, n. 1, p. 47-49, 1969.

⁴ DIBIASE, D.; MACEACHREN, A. M.; KRYGIER, J. B.; REEVES, C. Animation and the role of map design in scientific visualization. Cartography & Geographic Information Systems, v. 19, n. 4, p. 201-214, 1992.

⁵ DELAZARI, L. S. Modelagem e implementação de um Atlas interativo utilizando métodos de visualização cartográfica, 2004. Tese (doutorado) - Escola Politécnica, Engenharia de Transportes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2004.

⁶ GIRARDI, G. Funções de mapas e espacialidade: elementos para modificação da cultura cartográfica na formação em Geografia. Revista Brasileira de Cartografi a, v. 4, p. 66-861, 2014.

⁷ BURROUGH, P. A.; MCDONNELL, R. A. Principles of Geographical Information Systems. 2ª ed. Oxford: Oxford University Press, 1998.

⁸ IBGE. Atlas Nacional do Brasil. 1ª ed. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 1966.

⁸ IBGE. Atlas Nacional do Brasil. 2ª ed. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 1992.

⁸ IBGE. Atlas Nacional do Brasil. 3ª ed. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2010.

⁹ NIMER, E.; O'NEIL, M. M.; CORRÊA, R. L. Projeto Atlas Nacional do Brasil: a concepção teórica. Revista Brasileira de Geografia, v. 1, n. 50, p. 151-156, 1988.